Folha Seca
Não há como pensar em nós, porque nem se quer tenho certeza se um dia nós fomos nós.E como num labirinto sem saída onde tudo se cruza, se tromba, se encontra, volto a quinhentos e sessenta e três dias atrás .
Volto sozinha, olhando para o chão, para os lados, como se tivesse partido de um local e depois de tanto tempo, regresso.
Depois de furações, terremotos, catástrofes inimagináveis. Sentidas.
As folhas secas no chão, o porta retrato caído, quebrado, como se na hora da partida, ele tivesse sido atirado contra a parede
num ato insano de se quebrar não o objeto, mas o que ele representava.
Sento-me no chão, pego o porta retrato aos cacos, limpo as teias de aranhas acumuladas pelo tempo, e meu peito tranca-se de tal
forma que o ar se prende ali.
Voltar sozinha assusta, ainda mais se não se tem certeza se estava ali acompanhada.
Retiro a foto marcada pelo tempo, sinais videntes de dias de sol e chuva. Atrás dela um papel amarelo, dobrado, intacto.
Era pra você. Você não leu.
Não te culpo. Eu também não leria.
Sorrio com os olhos segurando a primeira lágrima que deseja escapar. Música horrível! -penso
Mas era no momento o que falava o que eu não conseguia dizer.
E minha mente foi longe, relembrando detalhes.
Fiz vendaval, tumultuei, mas só parti porque o pior vendaval foi o que fiz dentro de mim.
Outro foi um carinho que já havia passado, mas em tal momento, onde brota-se do nada,
meu medo viu nele a oportunidade de sair voando e quem sabe encontrar-se seguro.
Medo? Assim como ninguém tem medo de altura e sim de cair, meu medo não era de amar e
sim de ser mandada embora. E se alguém tem que ir, eu vou. E fui!
Hoje, pegando as trilhas das lembranças, pelo caminho da saudade, parei aqui.
Sentada no chão, escrevo no verso do papel algo de uma nova canção.
Arrumo a parte que me cabe da bagunça. Encosto a porta e saio dali deixando na primeira gaveta o mapa para se fazer o caminho de volta.
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